No tempo em que a sigla PP – Padre e Professor – estava em alta, uma vila cheia de graça, com duas torres gêmeas disputando espaço com as nuvens, protagonizou muitas histórias, dentre as quais a que relato hoje.

A narrativa foi enviada para “Cá”, pela “nossa” leitora assídua cujo nome é composto da junção de dois vocábulos, ambos de sentido bíblico. O primeiro pertenceu à rainha da Pérsia, e o segundo, a uma grande amiga de Jesus.
Dito isso, vamos ao evento religioso que ficou na memória coletiva…

Arrastava-se o ano de 1965. Naquela época, tudo era lento, primário e distante. Em termos mundiais, um fato significativo foi a morte do estadista inglês Churchill. Em termos nacionais, o endurecimento do sistema político pelas mãos do Marechal Castelo Branco. Em termos regionais… Bom, por estas bandas, quem mandava mesmo era o Pe. Ferlin.

Era dia de festa – a primeira comunhão tinha uma relevância espiritual muito grande. Para adentrarem no belo templo, as crianças formaram duas filas. Os meninos, de “fatiota” e gravatinha, no lado direito; as meninas, de vestido branco, véu e grinalda, no lado esquerdo. Todos em jejum de mais de três horas segurando uma vela acesa, que simbolizava a fé.

A missa em latim, com repetições de “ajoelha, senta e levanta”, arrancava bocejos. As crianças voavam pelo mundo da lua e só aterrissavam, quando um tom mais alto do celebrante chegava aos seus tímpanos.

Então, uma loirinha, já dobrando as pernas, tamanha a vontade de fazer xixi, cometeu uma perigosa distração: aproximou a vela do próprio véu. Cena rápida e dantesca. Aquela chama tímida do pavio foi lambendo o tule com avidez, chegando até os cabelos.

Apavorada, a garota ao lado esqueceu os pés latejantes, espremidos nos sapatos novos, e tentou apagar as labaredas com os folhetos de orações que, por pouco, não pegaram fogo também.

Felizmente uma professora, atenta aos movimentos da turma, tirou seu bat-casaco e abafou o incêndio.

Um forte odor de cabelo queimado invadiu o ambiente. As meninas escondiam os risinhos com as mãos, e os meninos tentavam captar o motivo do alvoroço delas. Só o padre continuava impávido na celebração, porque, de costas para o público, nada percebera.

Quando, finalmente, o celebrante disse “Ite Missa Est”, teve um fulaninho que sussurrou “Gracia a Dio!” Outro que respondeu “Camadóna, fim mal nei zenótchi”. E a loirinha, que ainda tremia, suspirou aliviada.

Então as crianças dirigiram-se ao salão paroquial onde o lambe-lambe as esperava para a sessão de fotos para a posteridade. A loirinha também foi, mas a câmera monocromática não registrou o azul dos seus olhos onde afundaram os sonhos de sua primeira eucaristia…