Especialistas em segurança pública e da área de sociologia apontam caminhos para reduzir índices de criminalidade

Na quarta-feira, 4 de outubro, Bento Gonçalves chegou a marca de 26 homicídios no ano. Faltando três meses para o encerramento de 2017, o número já iguala os crimes registrados em todo o ano passado. A escalada da violência se repete ano após ano, e os números crescem assustadoramente. Apenas em setembro, foram registrados oito crimes.

Mas como seria possível frear essa escalada de violência? O Semanário ouviu especialistas na área de segurança pública e também da área de sociologia para tentar encontrar um caminho para diminuir os números.

Na quinta-feira, 5 de outubro, uma reunião na sede da Secretaria de Segurança Pública reuniu membros do Gabinete de Gestão Integrada Municipal (GGIM) para discutir a questão. Estiveram presentes a Brigada Militar, (BM), Polícia Civil, membros do Exército e Departamento Municipal de Trânsito (DMT).

De acordo com o secretário de segurança pública, tenente-coronel José Paulo Marinho, foram traçadas estratégias para o mês de outubro, para diminuir os indicadores de setembro. “As autoridades alinharam algumas ações, como a troca de informações dos setores de inteligência da BM e de investigações da Civil, além de ações conjuntas para estancar essa situação”, afirmou.

Tráfico é apontado como uma das razões

Entre os motivos pelos quais a criminalidade tem aumentado no município, uma resposta surge em primeiro lugar: o tráfico de drogas. Em entrevista coletiva no início da semana, o delegado titular da 2ª Delegacia de Polícia, Alvaro Pacheco Becker, afirmou que a grande maioria dos casos na cidade é decorrente desse tipo de crime.

Para a delegada titular da 1ª Delegacia de Polícia, Maria Isabel Zerman, a relação dos homicídios com o tráfico de drogas preocupa as autoridades sobretudo quanto à audácia e ao poder dos criminosos, que atingem o bem mais precioso que é a vida. “Além disso, agem de forma a intimidar os populares daquele local, prejudicando a elucidação do crime e a sua respectiva responsabilização penal, uma vez que dificilmente encontramos alguém para apontar, de modo formal, quem foi o autor do crime”, explica ela.

Segundo a delegada, as autoridades estão focadas em resolver o problema da violência em Bento. “Os Órgãos de Segurança Pública estão, diariamente, trabalhando no combate aos crimes de Tráfico de Drogas e Porte de Arma de Fogo Irregular, com diversas operações e prisões realizadas”, ressalta Maria Isabel.

O ponto é corroborado pelo defensor público da 1ª Defensoria Pública de Bento Gonçalves, Dr. Rafael Carrard. No entanto, segundo ele, crimes como esse poderiam ser evitados em grande parte se o Estado e as forças sociais, inclusive privadas, se fizessem presentes nas comunidades mais vulneráveis. “E falo da presença não só da polícia, que por vezes infelizmente até é vista com reservas por algumas pessoas, mas de outros serviços relevantes, como saneamento básico, esporte, saúde, educação”.

Ausência de políticas públicas contribui com os números

No entanto, a delegada afirma que a escalada da violência não é um problema exclusivo de Bento. Entre os pontos enumerados por Maria Isabel como possíveis soluções para sanar o problema, estão o incremento do efetivo das Polícias Civil e Militar, principalmente na forma preventivo-ostensiva; melhorias no sistema prisional, para que de dentro do estabelecimento carcerário, os indivíduos não comandem a criminalidade e os homicídios aqui fora; e programas sociais, principalmente políticas públicas de combate ao uso de drogas, poderiam amenizar estes índices.

Para Carrard, não há qualquer dúvida de que o país carece de políticas públicas eficientes que auxiliem na diminuição dos índices de violência, inclusive de homicídios. “O Direito Penal e a repressão estatal são fatores relevantes de controle social, mas nem de longe significam, por si só, a solução para o problema da violência”, afirma ele.

Segundo ele, a forma de evitar o ingresso do jovem no universo do crime é a forte presença do Estado e da sociedade organizada nas comunidades, por meio das mais variadas áreas. “O esporte, o saneamento, a perspectiva de emprego e de família, a referência positiva, ou seja, a previsibilidade de um futuro decente é o que mantém a pessoa no caminho certo”, ressalta.

Ainda de acordo com o defensor, as pessoas foram induzidas a acreditar que o encarceramento seria a solução mais eficiente para o problema. “Por décadas, e ainda hoje, essa é a solução apresentada pela classe política e por alguns setores da área jurídica, pois o discurso é fácil e eficiente do ponto de vista eleitoral e social. No entanto, o resultado dessa política está aí, com um sistema prisional absolutamente superlotado, falido, que reproduz, na verdade, uma verdadeira escola de aprimoramento criminal”, finaliza.

Na avaliação do sociólogo Guilherme Howes, As políticas públicas são paliativas, “remédios” que combatem os sintomas, mas nunca as reais motivações da criminalidade. “Elas criam uma certa pedagogia perversa que ‘ensina’ ou que acomoda as populações desabastecidas a resistir na miséria, sobreviver na pobreza, suportar a criminalidade, mas nunca a superar as razões que as levaram à deriva social”, pontua.

Para ele, uma verdadeira política pública seria pagar sem parcelar os salários de forças de segurança como a Brigada Militar e a Polícia Civil, além de dar condições de trabalho aos trabalhadores da segurança pública, promover ações de acesso dessas comunidades pobres aos serviços públicos de qualidade. “A falta de segurança não vem da incompetência do estado, mas de uma ação deliberada e consciente do Governo do Estado em cumprir os compromissos com quem lhe financiou a campanha (grande empresariado, bancos, agronegócio exportador) às custas do esforço e da vida de populações historicamente fragilizadas”, observa.

 

“Política de combate às drogas é insuficiente”

Para o sociólogo Guilherme Howes, os crimes contra a vida e a relação histórica com o tráfico são chagas cruéis e históricas. De acordo com ele, existe uma relação circular e viciosa entre o tráfico de drogas e o crime organizado, com o tráfico na raiz da organização do crime. “As ações do estado não são suficientes para conter a entrada de armas e drogas pelas fronteiras, dessa forma age na esfera da circulação e do consumo, e isso é insuficiente”, explica.

De acordo com ele, para frear a escalada de crimes violentos, como os que estão ocorrendo endemicamente em cidades médias e grandes, algumas ações imediatas podem ser pensadas. Na avaliação de Howes, está nitidamente ocorrendo um encolhimento das forças de repressão expressa na segurança pública. “As guardas ostensivas, devido à falta de recursos (salários parcelados, equipamentos deteriorados, carros, armas, coletes; condições de trabalho precárias) estão sendo enxugadas, levando diretamente a um recrudescimento dos níveis de criminalidade, em especial os crimes capitais à vida”, explica.

A distribuição dos crimes em bairros pobres também não surpreende o especialista. De acordo com ele, em lugares como esses, em geral, não há estrutura suficiente do estado para a saúde, para a educação e muito menos para a segurança. “São nessas ‘franjas’ das grandes e médias cidades que o crime mais se organiza, fazendo com que a população mais imediatamente ao seu entorno, sinta mais de perto e mais severamente seus impactos”, explica.

Para Carrard, Se o Estado falha na sua atividade e presença nesses lugares, alguém ocupa este espaço. “O resultado todos conhecem”, frisa o defensor.

26º caso no ano foi registrado no Municipal

Um homem foi morto a tiros no bairro Municipal, em Bento, na noite de quarta-feira, 4 de outubro. O crime ocorreu na rua Gema Piva dos Santos, por volta das 21h.

De acordo com o Boletim de Ocorrência (BO) registrado na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA), a vítima foi atingida com diversos disparos de arma de fogo. Ele foi identificado como Felipe Soares dos Santos, 25 anos.

Segundo a Brigada Militar (BM), ele possuía antecedentes criminais por tráfico de drogas. A BM e a Polícia Civil atenderam a ocorrência no local. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) também esteve e constatou o óbito. O Instituto Geral de Perícias (IGP) realizou o trabalho de perícia. O caso será investigado pela Polícia Civil.