Em clima de confronto, eleitores decidirão o futuro do Brasil amanhã

No dia 16 de abril de 2016, por segurança, o gramado da Esplanada dos Ministérios amanheceu dividido ao meio, por um muro de tapumes de aço de 1,1 km de extensão e 2,20 m de altura. As tomadas e fotografias aéreas, que ilustraram jornais e telejornais de todo o mundo, mostravam um grupo majoritariamente de vermelho, apoiadores de Dilma Rousseff, do lado esquerdo; e outro, com camisetas amarelas, pedindo o impeachment da então presidente petista, do lado direito. As imagens, que dispensam análise semiótica, são a ilustração perfeita da polarização histórica de nosso país, bem como de um clima hostil que têm se amplificado nas ruas e nas redes sociais conforme se aproxima o dia das eleições. É com esse sentimento de tensão, que mais de 89 mil bento-gonçalvenses devem ir às urnas amanhã, dia 6 de outubro.

Mobilizações polarizadas se multiplicaram com as redes sociais. Foto: Lucas Araldi

Esse antagonismo ideológico e mesmo o confronto, no entanto, não são novidades para quem acompanhou ou estuda a história das eleições na cidade. O que se percebe, conforme analisam os estudiosos e os moradores de Bento Gonçalves que vivenciaram todas as eleições desde o período de redemocratização, é uma maior agressividade, que pode se explicar por dois fatores: as redes sociais que tem multiplicado o acesso aos temas políticos; e a individualidade com que cada pessoa tem defendido seus princípios. Para o sociólogo Paulo Wunsch, a hostilidade é fruto de uma derrocada do discurso político em detrimento de uma discussão à nível pessoal. “A polarização que houve na eleição passada, entre eleitores de Dilma e Aécio, discutia mais projetos. A de hoje, foi radicalizada em um debate moral que se dá de uma forma mais emotiva, logo menos racional. Isso empobrece e desqualifica a disputa”, indaga.

Morador da cidade há 40 anos, o empresário José Carlos Zortéa concorda que a divergência sempre fez parte da história política de Bento Gonçalves, bem como do Brasil, mas não se lembra de tanta agressividade em outra época. “Já tivemos atos violentos e acirramento nas eleições, porém nunca foi tão forte. A discussão de ideias não é mais saudável. A gente vê tumulto e até atentado, é preocupante”, opina. Ele acredita que as redes sociais são as principais motivadoras de um sentimento de revolta e de anseio por mudança. “O discurso político está presente todo dia e toda hora. Antigamente tinha o rádio, o jornal, mas era demorado… hoje, com a internet, as pessoas ficam sabendo de tudo imediatamente. Isso deixa a disputa mais quente e os ânimos mais exaltados”, considera.

O cenário além da eleição presidencial

Com 39% das intenções de votos válidos para Jair Bolsonaro, do PSL, e 25% para Haddad, do PT, a última pesquisa do Datafolha, divulgada na quinta-feira, 4 de outubro, aponta que à nível presidencial a polarização se estenderá ao segundo turno. Fato curioso é que o confronto ideológico não deve se repetir no pleito para o governo estadual, como bem explica o cientista político, João Ignacio Pires Lucas. “Os assuntos mais marcantes do momento são do âmbito nacional: a legislação trabalhista, a crise econômica e o desemprego, a corrupção, e as propostas da previdência. Isso acaba secundarizando as discussões estaduais, por isso, no segundo turno, devemos ter uma disputa entre propostas de uma mesma perspectiva político-ideológica, o que gera menos acirramento”, comenta, referindo-se as candidaturas de Eduardo Leite, do PSDB, e Sartori, do PMDB.

Ele destaca que a forte atenção dada à eleição federal também acaba por ofuscar a disputa de votos para o Congresso. “Quanto aos deputados e senadores, a discussão é muito fraca e as campanhas ocorrem sem nenhum transtorno”, observa. Recorda que nas últimas eleições isso não foi diferente, afinal Aécio Neves obteve maioria absoluta dos votos na região, mas o único Deputado Federal eleito de forma direta foi Pepe Vargas, do PT. Isso mostra que, ao contrário do que ocorria nos anos 1990, com disputadas acirradas também no Estado, os parlamentares e os governadores têm sido eleitos sem maiores contestações.

Breve histórico das eleições presidenciais

  • 1989: Após o fracasso do Plano Cruzado e da volta da inflação, o povo brasileiro resolve apostar em nomes novos na política. Ao final, Fernando Collor de Mello vence o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva. No Rio Grande do Sul e em Bento, os eleitores votam no gaúcho Leonel Brizola no primeiro turno, e no petista no segundo. A oposição gaúcha que começa logo na primeira eleição após a redemocratização brasileira, segue até as últimas eleições presidenciais, em 2014.
  • 1994: Induzido pelo “Plano Real”, o Brasil elege Fernando Henrique Cardoso, na esperança de finalmente consolidar a democracia e de ter um plano econômico que pudesse colocar o país nos eixos. Com a candidatura conjunta de Lula e Brizola, o eleitor gaúcho vota majoritariamente no PT. Bento Gonçalves, no entanto, começa um processo de enraizamento conservador e FHC ganha por pouco na cidade.
  • 1998: FHC se reelege, mas desde os primeiros meses de mandato entra numa espiral de baixa popularidade, resultado da hiperdesvalorização do real em relação ao dólar. No Rio Grande do Sul, como de costume até então, o povo aposta no campo progressista e vota em Lula pela terceira vez. Em Bento Gonçalves, o candidato tucano vence por pouco.
  • 2002: Apesar de o Brasil estar razoavelmente estabilizado quanto a economia, o país convive com o aumento do índice de miséria e pobreza. A população entra em consenso quanto à necessidade de aprimorar o campo social e, com a mudança de discurso de Lula, que abandonara a fala radical para apostar num tom mais conciliador e pacífico, vota em peso no PT. Em sua quarta tentativa de eleição, Lula vence em 26 dos 27 estados do Brasil. Pela primeira vez, os gaúchos seguem a tendência nacional, mas é também a última oportunidade em que um candidato à presidência de partido de esquerda vence em Bento Gonçalves.
  • 2006: Mesmo com as polêmicas em torno das primeiras denúncias de corrupção, a imagem do PT segue em alta. Lula vence em 20 estados. O sudeste e o centro oeste, entretanto, apostam na agenda mais conservadora de Geraldo Alckmin, do PSDB. Desde de 2016, o Rio Grande do Sul, antes progressista, também passa a consolidar uma preferência pelos tópicos de direita. Em Bento Gonçalves, o tucano vence com ampla vantagem.
  • 2010: Lula termina seu segundo mandato com 87% de popularidade, recorde entre todos os presidentes na história do Brasil. A satisfação é tanta que ele emplaca a eleição de sua sucessora, a até então desconhecida Dilma Rousseff. Sudeste e centro oeste, porém, votam novamente no candidato do PSDB, desta vez, José Serra. Bento Gonçalves vota de acordo com o restante do estado, no entanto, prefere o candidato do PT, Tarso Genro, para Governador do Estado, a José Fogaça, do PMDB.
  • 2014: Após uma série de escândalos de corrupção e as manifestações que levaram multidões para as ruas nas chamadas “Jornadas de Junho”, inicia-se um forte processo de aversão à política. O Brasil passa pela eleição mais acirrada da sua história. No segundo turno, Dilma vence por apenas 3% dos votos válidos. Desde então se multiplica o sentimento de polarização em todo o país. Em Bento, Aécio ganha com facilidade, e Tarso, que havia vencido na cidade na outra eleição, agora perde de longe para José Ivo Sartori, do PMDB.

Geografia do voto: como votaram os gaúchos nas últimas eleições