Psicanalistas, psicoterapeutas e aqueles que de alguma forma lidam com o sofrimento psíquico são unânimes em reconhecer que o “final do ano” é uma época particularmente perigosa. Talvez a “loucura” desse período devesse ser incluída nas síndromes traumáticas do cotidiano – ao lado da angústia de domingo à noite e da euforia vazia e efêmera das sextas-feiras. Essas ocasiões estão associadas a situações de risco social iminente pela ruptura da rotina, da organização do tempo e pela variação caótica de encontros, desejados e indesejados que pode desencadear.

Assim como as sextas e as segundas-feiras, o final de ano marca um ponto de passagem, mas diferentemente das duas primeiras, sua localização temporal é indeterminada. Para alguns o período começa em novembro; para outros, na semana do Natal; há ainda aqueles que confundem a loucura de fim de ano com complexo das férias perfeitas. Estabelece-se assim uma sequência de retraumatizações que às vezes só se resolvem pela pacificação representada pelo reinício do ano. Aliás, também o início desse novo ciclo parece representar mais um estado de ânimo que uma data precisa no calendário.

Adormecida, a loucura de fim de ano permanece latente até ser acordada pelas campanhas publicitárias e o apelo às compras. E assim é com o sofrimento neurótico em geral: como não se sabe de onde ele veio espera-se que vá embora por si mesmo. Nessa época convivem dois sentimentos opostos: de que algo já se faz presente, mas ainda não vigora plenamente, como se não houvesse chegado sua hora. Por isso tememos esse período – e também o esperamos ardentemente. Seu retorno insidioso, ano após ano, traz à luz as mais fortes experiências infantis. As lembranças de tantos desejos se apossam de nós combinando a saudade e a fantasmagoria do passado. O esforço para nos reunirmos e comemorar nos coloca sempre uma pergunta silenciosa: afinal por que nessa época não me sinto tão feliz como deveria? Por que surge essa angústia às vezes crônica, às vezes aguda? Recordar, repetir e elaborar – eis a difícil travessia que o final do ano nos propõe. Esses três movimentos que coordenam o tratamento psicanalítico são exigidos de forma concentrada e assistemática ao término de cada ciclo de 12 meses.
Imaginemos que no final do ano – assim como nos fins de semana, em menor escala – temos de nos haver com a difícil tarefa de reconstruir narrativamente vivências passadas de tal forma que elas se completem como uma experiência da qual possamos nos apropriar. A perda progressiva da experiência tornou-se a tal ponto um problema que muitas vezes recorremos aos discursos pré-fabricados nas reuniões e festas de fim de ano.