A operação do Ministério Público Estadual que resultou na prisão de empresários e transportadores acusados de adulterar pelo menos sete marcas de leite permite uma diversidade de análises, tanto positivas quanto negativas, mas, principalmente, inquieta a população. Afinal, fica difícil para a comunidade aceitar que alguém, deliberadamente, em nome do lucro ou de vantagens quaisquer, adicionava a um produto de primeira necessidade, principalmente para crianças, quantidades de água de poço e produtos comprovadamente cancerígenos.

A primeira impressão é hedionda, monstruosa e chocante. A que ponto pode chegar a ganância, o descontrole e o descaso com a saúde pública. Há falhas evidentes, que devem ser corrigidas, em toda a cadeia produtiva, desde a ordenha até a industrialização. A fraude em questão se processava no transporte do produto até a indústria, depois que saia da propriedade do produtor. Mas, mesmo que o ato criminoso ocorresse antes da chegada do leite às unidades de processamento, o golpe vai exigir do setor público e das próprias empresas a adoção de controles que pelo menos reduzam a possibilidade de manipulação. Esta, e a impecável atuação fiscalizadora e investigadora do Ministério Público, são as principais lições do caso.

Mas um outro aspecto grita aos ouvidos menos afeitos a explicações fáceis e versões oficialescas: por que, se a fraude era investigada desde pelo menos outubro de 2012, só agora se sabe do ocorrido? Isso porque, ao identificar a fraude no leite, a Superintendência do Ministério da Agricultura no Rio Grande do Sul e o Ministério Público decidiram, entre alertar imediatamente a população ou aprofundar investigações para garantir a punição dos responsáveis, pela segunda opção, que tardou meses, em detrimento do risco à saúde pública. Quem pode garantir que esta foi uma decisão correta? Ora, o que se deve salvaguardar é a saúde pública. Depois de estancado o problema, a investigação poderia continuar. Ao contrário disso, a população seguiu consumindo o produto adulterado, sem sequer duvidar de que algo estivesse errado. Para agravar a situação, quem tomou essa decisão sequer solicitou a realização de estudos para avaliar se o leite adulterado representava risco grave à saúde pública.

É justa a indignação com o fato de que a fraude no leite amplia uma sequência de exemplos de irresponsabilidade empresarial. As omissões e os delitos que levaram à tragédia de Santa Maria, as fraudes dos licenciamentos ambientais e, agora, a contaminação do leite são moralmente repulsivas e envergonham empresários honestos. O crime flagrado não é uma afronta apenas aos direitos dos consumidores, mas dos cidadãos. Deve ser investigado com o rigor que exige, para que se elimine o menor risco de impunidade. Mas, também, será preciso rever as estratégias públicas para que, sempre e em primeiro lugar, prevaleça o bem estar da população.