No Arquipélago de São Pedro e São Paulo (ASPSP), há mais de 1000 km da costa brasileira, fica Belmonte, uma pequena ilha de tamanho inferior a dois campos de futebol, considerada o território nacional habitável mais próximo à África. Esse ponto tão distante e remoto, perdido em meio ao oceano Atlântico, pode ser o destino da aluna de ciências biológicas do Campus Universitário da Região dos Vinhedos da UCS Aline de Godoy, e sua colega de curso da UCS de Caxias do Sul Aline Zanetti dos Santos.

Ademais de rochas, um farol e uma antena para comunicação, o inóspito local abriga uma pequena estação científica criada em 1998, por meio do programa Arquipélago de São Pedro e São Paulo (ProArquipelago) sob a administração da Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (SECIRM). Mais que oportunizar pesquisas nas áreas de biologia, oceanografia, geologia e geofísica, recursos pesqueiros, meteorologia e sismografia, o objetivo do programa é garantir a habitabilidade humana permanente da ilha, o que garante ao país, de acordo com tratados internacionais, a incorporação de uma faixa náutica de 450.000 quilômetros quadrados a título de Zona Econômica Exclusiva.

Desta forma, o arquipélago tem acesso exclusivo a pesquisadores que permanecem no local em grupos de no máximo quatro pessoas. A cada 15 dias, um pequeno barco pesqueiro ou, em raras exceções, um navio da Marinha leva até a ilha um novo grupo de estudiosos, retornando à costa com os cientistas que estavam no local no período anterior. Mais que a apresentação de uma pesquisa para a SECIRM, o primeiro passo para participar das expedições é concluir o Treinamento Pré-Arquipélago, que tem por objetivo capacitar os pesquisadores interessados a participar das missões nas ilhas de São Pedro e São Paulo.

A 1.000 km de um sonho

Aline Zanetti (E) e Aline de Godoy (D) (Foto: Arquivo Pessoal)

Há poucas semanas, a bento-gonçalvense Aline de Godoy e a colega Aline Zanetti dos Santos retornaram do 45º Treinamento Pré-Arquipélago, organizado pela Marinha Brasileira, em sua base na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte

Ao longo de uma semana, as alunas participaram de uma série exames, palestras sobre a operação dos equipamentos existentes na Estação Científica do ASPSP e treinamentos de sobrevivência para preparação de uma eventual participação em missão na ilha. “Entendemos como funciona a base, participamos de treinamento de incêndio, provas de natação, teste sobre a utilização de equipamentos de comunicação, satélite, rádio e dos computadores para a coleta de dados”, conta Aline de Godoy. A experiência mais marcante, contudo, segundo ela foi uma prova de sobrevivência em alto mar. “A gente passou cerca de seis, sete horas dentro do mar, em uma balsa, simulando um exercício de salvamento. Foi nessa prova que colocamos que aprendemos em prática e trabalhamos em equipe”, conclui.

Mais que representar a UCS pela primeira vez no projeto, as alunas foram as únicas do Rio Grande do Sul a participar do seleto grupo de 28 pesquisadores de todo o Brasil, presentes nessa edição. Apesar de “ser uma oportunidade única e imperdível”, conforme define Aline de Godoy, essa não foi a primeira vez que ela participou de um projeto com a Marinha Brasileira. A última vez ocorreu há apenas quatro meses: uma experiência de campo há bordo do Navio Vital de Oliveira, o maior laboratório flutuante do Brasil.

Turma de 2019 em treinamento de sobrevivência no mar (Foto: Arquivo Pessoal)

Foram mais de 20 dias de confinamento em alto mar, ajudando no monitoramento de computadores que fazem a leitura do relevo marinho e da profundidade oceânica. “Foi uma surpresa participar de dois projetos tão legais da Marinha em tão pouco tempo. São oportunidades que não se podem recusar. Isso abre portas para pesquisas futuras na área da oceanografia e biologia marinha lá no Arquipélago. É um sonho”, resume extasiada.

Já a caxiense Aline Zanetti dos Santos, além das provas de sobrevivência, destaca com carinho as experiências aprendidas acerca do arquipélago. “Foi muito bacana escutar as pessoas que já estiveram na base. Eu já sabia das questões biológicas únicas da ilha, mas não tinha ideia do que é passar 15 dias em isolamento, em um ambiente sem recursos”, conta.

Recém-terminado o treinamento, as estudantes já pensam em ir além. Pretendem concluir a aventura, indo a uma das missões.  Aline Zanetti dos Santos, que estuda possibilidades de pesquisas de mestrado no local, não esconde a empolgação. “Fiquei muito animada. A gente mora na Serra, longe do mar, imagina de ilhas. Sem dúvida, um dos meus maiores sonhos é conhecer as ilhas oceânicas da nossa costa brasileira, isso me marcaria por toda a vida. Fiz o treinamento com muita vontade, eu sairia de lá e já embarcaria para a aventura”, finaliza.

Experiências em uma ilha remota

Ilha de Belmonte, no Arquipélago de São Pedro e São Paulo (Foto: Arquivo Pessoal)

Em 2010, Cláudia Pinto Machado partia em um pequeno barco pesqueiro em uma viagem de 1.000 km, mar adentro. A visão de um pequeno rochedo de pedra foi o suficiente para amenizar o mal estar e o enjoo acumulado pelo bater incessante das ondas no casco da embarcação. Era a certeza de que uma experiência única se iniciava. Por 15 dias, a pesquisadora gaúcha foi uma das quatro habitantes temporárias da Base Científica do ASPSP.

Hoje, professora de Biologia Marinha da UCS, Cláudia foi a responsável pela indicação e inscrição das duas alunas no 45º Treinamento Pré-Arquipélago da Marinha, e espera otimista para que suas alunas também possam seguir seu caminho, participando de uma expedição científica a ilha de Belmonte. “Continuo como colaboradora do projeto coordenado pelo Professor João Carlos Coimbra (UFRGS) que me possibilitou fazer minha pesquisa na ilha, por isso pude mandar as meninas para fazer o treinamento, assim como eu fiz, para que possam ir também ao Arquipélago”, sublinha.

Para além da diversidade e da unicidade da fauna, características que fazem com que ela defina a ilha como “um laboratório vivo no meio do oceano”, suas maiores lembranças são de ordem emocional, quase filosófica. “O que mais marca é o contato com a natureza e os animais. Estar ali, no meio do nada, rodeado pelo mar e suas ondas, faz com que nos sintamos um pontinho perto de toda a grandiosidade do planeta, faz com a gente perceba nosso lugar enquanto mero humano. É algo que pouca gente terá a oportunidade de vivenciar”, explana.

O Arquipélago de São Pedro e São Paulo e o ProArquipelago

 Em meio ao Atlântico, a 988 km da costa brasileira e a 1820 km de Guiné Bissau, se ergue o Arquipélago de São Pedro e São Paulo, território, que apesar de pertencer a Pernambuco, fica mais próximo do Rio Grande do Norte. Com aproximadamente 17 mil m², é dividido em cinco pequenas ilhas rochosas sem vegetação ou praia, das quais somente a maior, Belmonte, com seus 5 mil m² — tamanho de dois campos de futebol — é habitada. Sua baixa altitude, com pico máximo de 18 m e sua pequena dimensão, faz com que sua visualização a olho nu seja dificultada, causando alguns naufrágios ao longo da história.

O mais famoso, inclusive, é o que deu origem ao seu descobrimento, ocorrido em 1511, quando a Nau São Pedro, desgarrada da armada que partiu de Portugal rumo às Índias, se chocou com os rochedos. O socorro à embarcação foi realizado por outra nau da mesma frota, chamada “São Paulo”. Em 1529, o “Arquipélago de São Pedro e São Paulo”, aparecia pela primeira vez em um mapa.

Embora o seu pertencimento ao Brasil nunca tenha sido contestado, o artigo 121 da  promulgação da Convenção da ONU sobre os Direitos do Mar (CNUDM), assinado em 1982, fez o país pensar em alternativas para consolidar seu poder sobre o Arquipélago. No parágrafo 3, o artigo assinala que “os rochedos que por si próprios não se prestam à habitação humana não devem ter Zona Econômica Exclusiva (ZEE)”.

Em 1996, a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM) aprovou a criação do Programa Arquipélago de São Pedro e São Paulo (ProArquipelago), um plano contínuo de pesquisas científicas na região, nas áreas de: geologia e geofísica, biologia, recursos pesqueiros, oceanografia, meteorologia e sismografia. Para além de alavancar pesquisas científicas, o objetivo é garantir a habitabilidade permanente da ilha de Belmonte, o que proporciona ao Brasil o estabelecimento de uma ZEE de 450 mil km².

A primeira etapa para a participação no programa é passar pelo Treinamento Pré-Arquipélago, realizado na base da Marinha em Natal, Rio Grande do Norte, duas vezes por ano. A 45ª edição ocorreu em abril de 2019.