Presidente do órgão em Bento fala sobre os problemas enfrentados e a falta de apoio da sociedade nas ações realizadas

Prestes a completar 28 de fundação em Bento Gonçalves, o Conselho Tutelar trabalha com o objetivo de zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes. Presentes em mais de 99% das cidades brasileiras, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o órgão é responsável por apurar e atender as denúncias de violação de direitos, conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). No entanto, situações como a falta de apoio de órgãos públicos e da própria sociedade, acaba dificultando o trabalho e passando uma imagem errada do órgão. É o que afirmam os conselheiros tutelares da Capital do Vinho, que em entrevista ao Semanário falaram sobre as principais dificuldades encontradas no exercício da função. Para o colegiado, as pessoas precisam entender que a equipe está a favor da família e é necessário estar atento as reais atribuições do órgão.

Mais de 400 registros de atividades e atendimentos são registrados todos os meses pela equipe. Foto: Ranieri Moriggi

De acordo com o presidente do Conselho Tutelar de Bento Gonçalves, Paulo Ricardo de Souza, todas as ocorrências que chegam ao órgão, como agressões, evasão escolar e tantas outras, são apuradas e definidas as ações que serão tomadas para o andamento dos processos. “Procuramos sempre ter o aconselhamento de mais de três conselheiros para se ter uma ideia de como agir em determinadas situações. Se há algum direito para crianças e adolescentes, a porta de entrada é o Conselho Tutelar”, afirma. Conforme Souza, a sociedade ainda não tem real ideia de quais são as atribuições da equipe e acabam entendendo que a função do Conselho Tutelar é a repreensão e a apreensão do menor infrator. “As pessoas acham que temos que reprimir, ir buscar o adolescente infrator, ou aquele que está bebendo na rua. Isso não é função do Conselho Tutelar. A parte de fiscalização do Conselho é voltada às entidades de atendimento de crianças e adolescentes, que são escolas, abrigos, projetos, todas são fiscalizadas e atendemos também na demanda de alguma violação dos direitos, tais como agressão física, psicológica, sexual, entre outros”, explica. “A parte de investigação, fiscalização é feita com a polícia. A nossa obrigação é atender a criança. Ver se os pais estão dando a proteção correta e se não estão dando, o Conselho vai dar essa proteção”, pontua.

Demandas já exigem segunda unidade

Atualmente, o órgão na Capital do Vinho atende mensalmente, cerca de 400 casos. O conselheiro observa que com uma demanda tão grande, seja necessária a criação de uma segunda unidade do Conselho Tutelar. “Em Bento Gonçalves já caberia outro Conselho, tanto pela demanda que tem”, explica. Devido a grande procura, problemas com a estrutura são apontados pela equipe, entre eles, um espaço maior para atendimento. “Não podemos dizer que a estrutura é ruim, comparado a outros conselhos de outras cidades. Precisaríamos de um arquivo para guardar as cerca de seis mil pastas, onde constam os dados familiares. Está sendo estudada a possibilidade de melhorar esse arquivo. Precisaríamos de uma brinquedoteca, um parquinho na parte externa do Conselho, enquanto as crianças viessem e tivessem que esperar os pais serem atendidos. Sempre há o que melhorar”, justifica Souza.

Principais ocorrências registradas

Questionado sobre as principais causas de atuação do Conselho Tutelar em Bento Gonçalves, o presidente do órgão disse que a questão de agressão e desobediência na entrega do filho, em caso de pais separados. Conforme Souza, esse último motivo não seria obrigação de intervenção do órgão, porém, pais procuram a equipe, tentando com que seja resolvida a situação. “Não é atribuição do Conselho resolver esse problema. É uma questão judicial. Se não está sendo cumprindo os acordos, isso é um descumprimento judicial que deve ser registrado em Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia e não aqui”, salienta.

Sede está localizada na rua Gal. Vitorino, bairro São Francisco. Foto: Ranieri Moriggi

Outros aspectos apontados por Souza estão voltados aos atos infracionais por adolescentes, que, segundo ele, existem diversas denúncias. Porém, o presidente do Conselho Tutelar salienta que a legislação é bem clara, quanto a atuação do órgão nesses casos. “O que fazemos, quando solicitados é entrar na proteção ao menor, quando há um histórico de problemas como, por exemplo, consumo de álcool, drogas, está fora da escola, entre outros, onde entramos com a proteção ao menor, buscando tratamentos a eles, colhendo informações para saber os motivos porque ele não está na escola, cobrando dos pais o por que ele não está estudando. Essa é a parte do Conselho. Há uma distorção na comunidade”. Indagado sobre essa possível distorção, Souza explica que até o ano de 1990, existia um código de menores, onde um comissário era responsável em ir atrás da criança e adolescente para repreensão. Essa função acabou deixando de existir quando o Estatuto da Criança e do Adolescente passou a vigorar, criando também o Conselho Tutelar. “Nós não somos o antigo comissário de menores que vai fazer a repreensão e pegar o adolescente, dar susto, como muitos pais e até escolas nos contatam para “prender” o menor infrator. Não é nosso papel. Esse é o papel da segurança, da polícia”, aponta.

Menores de idade nas sinaleiras

Outro ponto questionado pela reportagem do Semanário foram as diversas crianças e adolescentes vistos diariamente em sinaleiras pedindo dinheiro ou comercializando produtos, como é o caso dos menores indígenas, que, segundo Souza, possuem legislação específica que ampara e autoriza a participação na comercialização. No entanto, Souza garante que um trabalho desenvolvido pelo Poder Executivo, através da Secretaria de Assistência Social, poderia amenizar e até resolver o problema. “Há denúncias feitas aqui no Conselho e comunicamos à Secretaria de Habitação e Assistência Social sobre a situação. O maior problema é a questão das crianças estarem passando pelo meio dos carros. Já fomos até eles, conversamos, expomos o perigo. Não é nossa atribuição, mas mesmo assim fomos várias vezes, mas mesmo assim eles continuam. É preciso um trabalho maior, de conscientização”, pondera.

“Daqui a 10 anos seremos vistos com outros olhos”

Para os profissionais, são frequentes as críticas feitas ao órgão, principalmente pelas famílias e algumas autoridades em ocorrências que são atendidas pelos conselheiros tutelares de Bento Gonçalves. Segundo o presidente do colegiado, há uma generalização em todo o país de que o Conselho Tutelar não faz nada. Em muitos casos, a equipe é tida como inimigo da família. “Quando a família chega aqui, de imediato elas acham que estamos invadindo a sua privacidade. Estamos aqui para proteger. Quando os pais entenderem que o Conselho Tutelar é amigo, que está ali para ajudar, acredito que toda essa imagem será mudada. Muitas vezes não somos valorizados nem pela população, nem pelo Poder Público e, em alguns casos até por entidades, inclusive a imprensa”, desabafa.

Souza salienta que o trabalho do grupo está baseado em uma legislação específica e que muitas vezes, o problema foge de sua alçada. “Jogam muitas pedras na gente sem saber se em determinadas situações poderíamos ter feito alguma coisa. Agora, se em alguma situação, o Conselho não realizou o trabalho que era de sua obrigação, temos uma corregedoria funcionando, um Ministério Público atuante aqui em Bento e que podem receber denúncias de supostas falhas no trabalho do conselheiro. A população tem total liberdade”, ressalta.

Políticas públicas

Considerada uma cidade industrial, Souza acredita que ainda há carência de um trabalho específico para os adolescentes no contraturno escolar, para que houvesse ocupação com atividades educacionais. “A educação muda tudo. Uma criança que vai para a escola infantil desde que nasceu e uma que vai a partir dos cinco anos de idade, a gente nota nitidamente a diferença. Essa é uma preocupação que se deve ter”, afirma. Para o presidente do Conselho Tutelar, todo o município que quer prosperar precisa ter um olhar para a educação desde o berçário, principalmente as vulneráveis. “Por ser um centro industrial, Bento Gonçalves precisaria se preocupar com esses adolescentes que estão saindo da infância e entrando na adolescência com a vocação, prepará-las para assumir responsabilidades quando chegarem nos 14, 16 anos. Há muita mão de obra vindo de fora para cá, sabendo que a gente pode preparar os que a gente tem aqui”, finaliza.

Futuro do órgão

Indagado em como o grupo vê a imagem do Conselho Tutelar daqui uma década, Souza acredita que a situação está em constante evolução. Desde que assumiram o trabalho, há dois anos, a equipe diz estar unida para enfrentar os problemas e situações do cotidiano. “Trabalhamos aqui dentro para estarmos unidos, apesar de cada um ter suas opiniões e posicionamentos. Há divergências como em qualquer outro lugar. Mas precisamos mostrar para a sociedade que o Conselho Tutelar unido, defendendo os direitos da criança e do adolescente é essencial para a comunidade”, ressalta.

Para o presidente do órgão bento-gonçalvense, o resultado do trabalho realizado será visto nos próximos anos, devido a uma mudança de pensamento da sociedade, em relação ao Conselho Tutelar. “Eu creio que vai haver uma mudança. Daqui 10 anos seremos vistos com outros olhos. Estamos batalhando para isso”, acredita.