Há quase três anos, os primeiros estrangeiros bolsistas do Programa Mais Médicos começaram a chegar aos municípios onde atuariam. O programa federal propunha aumentar o número de médicos atuando na rede de atenção básica do Sistema Único de Saúde (SUS) em regiões carentes desses profissionais. Os primeiros estrangeiros recrutados pelo governo começaram a atender a partir de 23 de setembro. Atualmente 18.240 médicos estão no país em 4.058 municípios, e 34 distritos indígenas.

Com isso, já estão sendo atingidos 63 milhões de brasileiros que não tinham atendimento médico. Entretanto, mesmo com as estatísticas e números oferecidos pelo Governo Federal, a médica Pauline Elias Josende, Diretora de Política Médica da Associação dos Médicos de Bento Gonçalves (Ameb) e Diretora do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul, garante que há diversos problemas relacionados ao programa Mais Médicos e questiona a necessidade de estrangeiros em Bento Gonçalves.

A categoria de médicos representada pela Ameb garante que o maior problema deles com o programa é a ausência da revalidação do diploma dos profissionais que vem do exterior para trabalhar no Brasil. “Ou brasileiro oriundos de faculdades do exterior, ou estrangeiros, eles não passam por uma avaliação que contém questões teóricas e práticas sobre a medicina. E ela é fundamental para que seja possível termos a noção de que aquele profissional realmente sabe medicina. Essa prova é feita em diversos países para quem deseja atuar fora do território onde se formou”, comenta a médica.

Entretanto, não é somente esta questão que faz parte do debate dos profissionais da saúde. A área de atuação dos médicos estrangeiros, também contempla a lista de problemas que são encontrados no Mais Médicos. “O programa foi feito para suprir a carência dos atendimentos médicos em locais afastados, ou de muita vulnerabilidade social, mas o que vemos na prática não é isso. Os médicos estão concentrados, por exemplo, em Porto Alegre, onde havia até alguns meses atrás 120 cubanos atuando em uma cidade que há quatro faculdades de medicina. Por tanto, não há justificativa e isso acontece com São Paulo também e com grandes capitais, ou até mesmo cidades do interior como Bento Gonçalves, que não tem a necessidade e, muito menos, déficit nos postos de saúde”, garante Pauline.

Conforme salienta a Diretora da Ameb, o programa Mais Médicos tenta suprir uma necessidade de forma errônea. “Realmente existem alguns locais onde faltam profissionais e estes precisariam realmente de um programa para levar médicos para lá. Mas um projeto que eu acredito que daria certo seria além de levar o médico para estas áreas, fazer com que ele tenha também condições de trabalho, tenha remédios, tenha soro, seringas, agulhas, gase, o básico. A gente sabe que isso não tem e é difícil o profissional fazer milagre, sem o pouco que precisamos para ajudar um paciente”, enfatiza.

E se os estrangeiros fossem embora?

Pauline garante que seria possível suprir a demanda de médicos se fossem mandados embora os profissionais estrangeiros. “Além de termos muitas faculdades de medicina espalhadas pelo país, há uma demanda extremamente grande de profissionais brasileiros tentando entrar no programa Mais Médicos. Então a população não está tendo a real noção de que pessoas formadas em medicina estão se inscrevendo no programa e não estão tendo a oportunidade de trabalhar”, observa a diretora.

De acordo com Pauline, há diversos erros de execução e planejamento no programa feito pelo Governo Federal, pois, a concentração de médicos em áreas centrais é elevado. “Os brasileiros querem sim ir para locais mais afastados, não temos problema em trabalhar em áreas de risco. Só deveríamos ter em todas as regiões, concursos. Para que pudéssemos trabalhar lá e depois pedir transferência, assim como acontece com juízes e delegados. Todos precisam ter oportunidades”, finaliza.

“Fomos elencados como prioridade”

Bento Gonçalves recebeu na última sexta-feira, 12, mais um profissional da área da medicina do programa Mais Médicos. Alisson Fortes Oliveira, brasileiro formado em medicina na Bolívia, e que até então atuava em Santa Cruz de La Sierra, chegou a Bento Gonçalves para reforçar a equipe da Secretaria Municipal de Saúde. Oliveira nasceu em Palmeira das Missões (RS), mas mudou-se ainda criança para Jataí (GO). Agora retorna ao Estado e, diante de duas ofertas, optou por Bento Gonçalves, para onde a família também deverá se mudar nos próximos dias.

Segundo ele, havia a possibilidade de vir para o Brasil e não atuar junto ao Mais Médicos, para que isso ocorresse seria necessário realizar uma prova denominada Revalida. “Entrei no cadastro do programa, como intercambista (brasileiro formado no exterior), encaminhei meus papéis para o Governo Federal, e depois de conferidos, viu-se que eu estava apto à atuar no meu país de origem. Até que isso fosse possível eu escolhi Bento para iniciar minha carreira no Brasil”, comenta Oliveira.

Quando questionado sobre como ele vê a situação atual do SUS, ele diz que por estar ingressando neste momento na saúde pública do país não tem muita propriedade para falar sobre o assunto, mas enfatiza que “há a necessidade de médicos em regiões mais precárias e de maior vulnerabilidade, com certeza”.

Estar incluso dentro do programa Mais Médicos, não foi uma escolha do município. A Coordenadora da Atenção Básica, Loremari Sberse, salienta que foi feito um cadastro independente da vontade da administração. “Existe um processo que pode ser feito por adesão ao programa e existiu por estudos feitos pelo Ministério da Saúde que elencou os municípios. Então, nós fomos contemplados com o programa, não foram feitos pedidos para estarmos inclusos. Neste contemplamento vieram os profissionais que foram alocados às unidades que haviam necessidade. Então fomos elencados como prioridade e portanto nos concedeu duas vagas”, completa Loremari.

A coordenadora lembra também o Programa da Família, prevê que haja um médico de 40h para cada 4mil habitantes. “Se jogarmos isso dentro de um quantitativo que a gente necessita para o município de Bento e com o montante de serviço que já temos, sempre há a necessidade de ter mais médicos atuando. Nós pontualmente priorizamos que nas Unidades Básicas, com maior vulnerabilidade ou maior movimento de pessoas, tenhamos dois profissionais e, portanto isso está acontecendo no Bairro Zatt e também no Conceição”, acrescenta.

Oliveira, que possui especialização em Saúde da Família, atuará na unidade de Estratégia da Saúde da Família (ESF) do Bairro Barracão e garante que logo que os processos administrativos estiverem junto ao Ministério da Saúde iniciará os atendimentos.