Liderança sindical aponta os desafios, projetos e ações para garantir a continuidade do trabalho no interior das cidades

Desde o final de 2017, Cedenir Postal conduz os rumos do principal órgão de defesa dos agricultores, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bento Gonçalves, Monte Belo do Sul, Santa Tereza e Pinto Bandeira. Neste período, diversas ações foram elencadas pela atual diretoria para fortalecer e apoiar o trabalho realizado pelos agricultores nas comunidades do interior. Em entrevista ao Semanário, Postal fala sobre a sua vida, projetos à frente da entidade para suprir as dificuldades encontradas na infraestrutura, sucessão familiar, preço pago pela produção de uva e aponta os rumos que a classe rural poderá tomar nos próximos anos.

Para Postal, é urgente a criação de políticas públicas para a manutenção do jovem no meio rural. Foto: Ranieri Moriggi

A vida de Postal dedicada à agricultura vem de muito cedo: ainda na sua adolescência ganhou gosto pelo trabalho na área rural. Nascido, criado e ainda residente em São Luiz do Rio das Antas, interior de Bento Gonçalves, o presidente do STR-BG sempre trabalhou nesta área. Apenas, pelo período de cinco anos, Postal estudou no seminário, mas a sua vocação sempre foi o trabalho junto à terra e por isso, resolveu voltar para casa e construir a sua vida no meio rural. “Minha família sempre residiu no mesmo local e eu continuo lá: tenho minha propriedade, lavoura, cultivo uma grande variedade de hortaliças. Tomate, couve-flor, brócolis, repolho, milho, melão, abobrinha, pepino, pimentão, berinjela, entre outros”, destaca.

Presidência do STR

Em nenhum momento, Postal imaginaria que estaria conduzindo a direção do STR-BG. A possibilidade de encabeçar uma chapa ocorreu após as impugnações das candidaturas no ano passado. Ele lembra que participou da construção de um grupo que tinha por objetivo que vinham conversando para tentar oferecer ao associado uma possibilidade de mudança na maneira como a entidade era administrada. “Por muitos anos tivemos uma mesma diretoria e achamos por bem lançar a ideia de tentar a modificação. Não foi fácil, tivemos que recorrer à Justiça para tentar inscrever a nossa chapa”, explica.

Conforme Postal, toda a confusão que ocorreu naquele momento poderia ter sido evitada, caso a documentação estivesse em dia, junto aos órgãos federais. Ele afirma ainda as constantes mudanças nas leis podem ter ocasionado esse problema. “Eu não vou culpar a antiga diretoria, pois houveram coisas que foram alteradas por causa da legislação. Talvez, por um descuido ou porque na época não havia necessidade não foi feito”, aponta.

Estrutura do Sindicato

De acordo com o presidente da entidade, nos primeiros meses de atuação, a diretoria precisou se ater dos fatos e entender o funcionamento do trabalho que era desenvolvido. Aos poucos, conforme Postal, foram necessárias mudanças no quadro funcional, visto que, por estarem ligadas à antiga administração. “Não tínhamos condições de manter quem estava trabalhando, não pela competência, mas sim, pelo forte vínculo com os antigos administradores”, explica. Aos poucos, a equipe foi ganhando novos colaboradores, sendo estruturada com a cara e o jeito de administrar de Postal e sua diretoria. “Buscamos pessoas capacitadas para oferecer serviços de qualidade aos nossos associados e, graças a Deus, temos uma equipe muito boa, competente, que está realizando um trabalho de excelência”, ressalta.

Com a sede em Bento, onde são realizados os principais atendimentos, as sub-sedes em Monte Belo (turno integral) e Santa Tereza (turno da tarde), que integram a base da entidade, foram mantidas na gestão de Postal. Para o futuro, a ideia da direção é de implantar um ponto em Pinto Bandeira. “Estamos pensando em termos alguma sub-sede em Pinto Bandeira, por ter associados lá e entendermos a importância do que é cultivado naquela região. É uma agricultura forte e que precisamos expandir os nossos serviços para lá”, explica.

Carências na agricultura

Questionado pela reportagem, Postal garante que os principais problemas que afetam diretamente a agricultura e a permanência do jovem no meio rural estão voltados à infraestrutura e a ausência de incentivos para a sucessão familiar. Ele aponta ainda que as questões de telefonia, internet, energia elétrica e condição das estradas prejudicam e desanimam quem ainda tem a vontade de permanecer no meio rural e prosperar. “Isso a gente vê constantemente. Por exemplo, no caso da luz, se o produtor quiser investir em uma câmara fria para armazenar seus produtos, uma agroindústria, a energia elétrica não é de qualidade”, critica.

A manutenção de estradas também é questionada por Postal. De acordo com a liderança, em algumas comunidades os acessos estão em situações complicadas. Ele aponta ainda o espaço de tempo em que nenhuma obra de pavimentação asfáltica não é realizada no interior. “Sabemos das dificuldades que as prefeituras têm em manter os serviços. Faz muito tempo que não há uma obra de asfaltamento em alguma estrada do interior. Em municípios menores, como Monte Belo do Sul e Santa Tereza, por conta própria, as prefeituras estão levando asfalto às comunidades, expandindo e se todo mundo fizer um pouco, os problemas resolvem”, acredita.

Outro problema apontado pela liderança e que causa preocupação é a saída do jovem do meio rural. Segundo Postal, sem estrutura mínima, a permanência da juventude na colônia é mínima. “Sem condições, o jovem sai da zona rural na primeira oportunidade que tiver. Não é só a condição financeira, pois as vezes, ele sai, vai ganhar menos na cidade do que no interior. Porém, as dificuldades em acesso, comunicação são sentidas e sabemos que essa nova geração quer ter alcance à internet, redes sociais e há muitas localidades que tem esse problema”, observa.

Visão da Agricultura

De acordo com Postal, a agricultura passa por um momento complicado. Para ele, não há um setor que esteja tendo a rentabilidade e sobre dinheiro no bolso do agricultor. Ele critica o alto valor cobrado pelos insumos, a instabilidade no valor que será repassado pela produção colhida. Para a liderança sindical, o problema piora no setor vinícola.

Mesmo com a qualidade da safra superior à do ano passado, os valores não tiveram reajuste, causando indignação dos produtores. “Os agricultores não foram valorizados. Houve uma luta grande para o aumento do valor. Não foi fácil manter o preço, porque por parte da indústria, a ideia era reduzir ainda mais o valor. Já está inviável trabalhar assim, e se fosse aceita a proposta, com certeza a situação iria piorar”, lembra.

Outros setores como o dos cítricos, pêssegos, ameixas, os integrados (aves e suínos), leite, também sofrem com o aumento nos custos e a pouca valorização final do produto, porém, o vinícola acaba sendo o de maior preocupação, segundo Postal. “Precisamos olhar com muita atenção para a questão da produção de uvas e também a chegada de produtos de fora, importados. O nosso é encarecido pela alta carga tributária que acaba afastando o consumidor. E se a empresa não vende o vinho, fica difícil dela conseguir repassar o preço ao produtor. Quem vai pagar a conta é o agricultor”, salienta.

“O nosso STR pode ser mais forte”, afirma Postal

A dignidade do homem e da mulher que trabalham na agricultura, produzindo alimentos, norteia as ideias de Cedenir Postal. Ele acredita que todas as boas ações, seja no sindicato ou em outra instituição, devem ser focadas sempre com o espírito de somar. Principalmente para garantir tudo o que já foi conquistado e impedir que direitos sejam roubados.

Mesmo em um cenário de incertezas e de crise, Postal destaca que os produtores que tiverem uma estrutura firme, com diversidade de produção, conseguem sobreviver e ainda manter o jovem no meio rural. Ele destaca a implantação das agroindústrias que surgem na região, agregando valor na produção. “Se a uva não alcançar o planejado, a outra atividade pode suprir alguma carência”, explica. Ele cita o exemplo de Pinto Bandeira, onde há forte produção de ameixas, caqui, pêssego e outras culturas, além da uva. “Nessas regiões, eles conseguem ter renda não apenas em uma única época do ano”, pontua. No mesmo caminho, a produção de hortaliças também sofre quando a oferta é maior que a demanda.

Postal afirma que a diversificação nas culturas pode ser uma aposta, porém, é necessário que o produtor que tiver interesse em investir em novos empreendimentos, deve estar atento ao que é bom e possível ser produzido na região onde mora. “Por exemplo, nas regiões mais baixas, à beira do rio das Antas, conseguem antecipar, às vezes, algumas culturas. Em Santa Tereza, o cultivo dos tomates mais cedo, para fugir da época tradicional e ganhar um preço maior na venda em determinadas épocas. Tudo depende da época do ano e a procura pelos produtos.”, explica.

O turismo rural é outro setor que poderia ser uma aposta para aquelas famílias que já possuem uma atividade e que pensam em agregar valor em sua propriedade no momento. “A diversificação é o caminho”, afirma.

Vinhos coloniais

Foto: Mateus Viapiana

Questionado também sobre os investimentos em cantinas para a produção de vinho colonial, Postal afirma que é uma possibilidade para agregar valor e renda. Porém, ele aponta que as exigências e a burocracia exigidas no processo de formalização e aprovação, são similares a de uma grande vinícola e, além disso, limita a produção e a venda dos produtos. “No máximo, essas vinícolas coloniais podem produzir e comercializar até 20 mil litros e só podem vender na propriedade ou em feiras. Não podem vender para mercados e restaurantes, por exemplo”, explica. “Seria até mais vantajoso entrar pelo Simples, onde as exigências praticamente são as mesmas e poder comercializar em qualquer lugar. Pagaria um pouco mais de impostos, mas teria um leque maior”, garante.

Importância das vinícolas

Postal considera de extrema importância a parceria existente entre o produtor e as vinícolas, devido a importância no sentido da comercialização dos produtos. Porém, ele salienta que o que é aplicado entre as partes seja justo, tanto para quem produz, como para quem compra. Ele diz entender das dificuldades pelo que os empreendimentos passam, mas deixa bem claro que o produtor rural precisa ser valorizado. “Há dedicação do empresário para pagar os altos custos que possuem, mas não pode só o agricultor ser o penalizado e não ter rentabilidade”, afirma. “Não adianta termos uma excelente qualidade e produção como tivemos nesse ano e os produtores ganharem menos que o ano passado”, critica.

De acordo com a liderança sindical, este ano era propício para que as vinícolas mostrassem a valorização ao produtor. No entanto, segundo Postal, não foi o que aconteceu. “Na prática, fica um discurso diferente do que se prega”, ressalta.

Expansão da produção

Ao ser indagado sobre a possibilidade de expansão e novos investimentos na zona rural, Postal é cauteloso ao afirmar que a situação em que o país está passando merece cautela e atenção de toda a cadeia produtiva. Para ele, em muitos casos, é melhor manter em bom funcionamento o que já está em produção aguardar a situação do país melhorar para pensar em novos projetos de expansão, principalmente os voltados ao setor da uva. “O que está no limite é a produção de uva, onde o mercado está saturado. O consumidor está estagnado, a produção de outras partes vem tomando espaço aqui e é preciso cautela”, pontua.

Futuro do STR e do interior na região

As perspectivas de Postal para as próximas décadas estão voltadas ao fortalecimento da entidade sindical e à manutenção do agricultor no meio rural. Ele acredita que se políticas públicas de incentivo, aliadas ao fortalecimento do STR, poderão garantir sobrevida ao setor que carece de um olhar mais profundo de todas as esferas, sejam elas públicas ou privadas. “Eu vejo um sindicato mais forte, porque é uma instituição de longa história e é uma referência para os agricultores. É uma entidade que luta pelos direitos. O STR pode ser mais forte”, defende.

Postal acredita que a permanência no meio rural será daqueles que se qualificarem e buscarem alternativas para garantir rentabilidade e sobrevivência. “A concorrência é grande, o surgimento de novas tecnologias acaba atraindo o agricultor para outras regiões, mas as coisas que são feitas pela agricultura familiar, no futuro deverão ser valorizadas: tem coisas que a máquina não substitui, como o cuidado com a produção diária. O olhar, o amor que o agricultor tem pela terra e pela produção não substitui”, finaliza.