O Português me pegou. O Português brasileiríssimo, diga-se de passagem, este mesmo que foi instrumento e objeto do meu trabalho por muitos anos. Aliás, não é a primeira vez. No face, a Língua dá rasteiras a quem tem a língua solta e o pensamento desregrado, deixando o leitor na contramão. Então, para se entender a ideia, só analisando as idiossincrasias do usuário. Se bem que, em algumas situações, não há perfil que esclareça.

Estou enrolando? Então, da teoria, vamos à prática, através de frases que encontrei por aí, onde a ambiguidade se dá por falta de pontuação, mais especificamente, por falta deste “risquinho torto e miúdo” que sinaliza breve pausa, transformando a mensagem em piada. Seguem:

“-Tem coisa melhor que comer velho?”.
Acho que tem. Mas, se colocarmos a vírgula antes de “velho”, só os anoréxicos vão discordar. Comer é tudo de bom!

“-Vendo meninas aceito cartão”.

Aqui estamos diante de um caso de polícia, a não ser que a palavra “meninas” for ladeada por vírgulas, passando a funcionar como um chamamento (vocativo) e não como objeto de venda.

“-Todo mundo está engravidando Jesus”.

Calma, não se trata de blasfêmia, mas pra não deixar margem de dúvidas especialmente aos cristãos mais conservadores, convém pingar uma virgulinha antes da exclamação “Jesus”.

Bom, deixando de lado o problema dos outros, relato meu próprio vacilo:

Então me apresentaram a uma sobremesa compacta e deliciosa feita de tâmara, cacau e mais algumas especiarias, em forma de bolinha – um pouco menor do ovo – e, pasmem: sem calorias.
“Eureka!”, gritei para mim mesma. A mais doce descoberta do século, quiçá do milênio. O sonho de consumo de toda gordinha.

Abrindo um parêntese, é bom lembrar que somos dotados de percepção seletiva, que é a tendência de ver e ouvir apenas aquilo que nos interessa. Parêntese fechado.

Enfim, diante daquela embalagem maravilhosamente negra, com letras garrafais em branco, me ative à cor – que me remetia a um chocolate integral e forte – e ao desenho, que sugeria um zero, ratificando a informação que havia recebido: “sem” calorias.

Já ia providenciar um kit para a dieta mais gostosa do pedaço, quando, por acaso, esbarrei nas letrinhas diminutas da informação nutricional: cada embalagem de 30 gramas tinha “cem” calorias.