Por serem mágicos e universais, os contos de fada sobreviveram aos tempos. Antes de ganharem as páginas dos livros, eram transmitidos oralmente, de uma geração para outra, sofrendo pequenas modificações de acordo com os valores de cada época. Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, começou como “Capinha Vermelha”, depois, “Capuz Vermelho” e finalmente, “Chapeuzinho Vermelho” – a cor continuou a mesma, por simbolizar emoções fortes como paixão e sexo… O “Capinha Vermelha” era bem disciplinador: no final, castigava as duas mulheres da história (a netinha, por desobedecer à mãe e por dar de bandeja o endereço completo da avó ao lobo, e a avó, por estragar a netinha com mimo em excesso). O vilão comia as duas, no sentido real da palavra… ou não.

Rebatizada pelos Irmãos Grimm, “Chapeuzinho Vermelho” perdeu um trechinho capcioso (depois da mega refeição, o lobo, disfarçado de avó, convida a menina para que tire as roupas e deite na cama com ele) e ganhou um final feliz. O machismo se manteve, representado aqui pelas duas figuras masculinas: o caçador, que protege as duas mulheres, e o próprio lobo, que seduz e engana a ambas.

Outra idéia curiosa defendida pelo autor do livro “Psicanálise dos Contos de Fada”, é o desejo inconsciente da netinha de matar a avó, motivo por que ela fornece todas as coordenadas ao lobo. Argumenta o psicólogo que a história teria a função de “produzir um efeito terapêutico, solucionar os conflitos edípicos, transcender à infância, agir como válvula de escape dos sentimentos de raiva e de culpa…” Não é por nada que o cara é discípulo de Freud.

Eu, simples mortal, vejo as histórias infantis sem verticalidade. Dificilmente percebo segundas intenções, mensagens subliminares, ideologias, coisa e tal. Não procuro chifre em cabeça de cavalo – se é para curtir, eu curto, e é só.

Mas, dia desses, assistindo ao filme “A Lady e o Lobo”, não pude deixar de perceber uma pitada de preconceito – ou seria uma concha? – envolvendo personagens secundários. Não vou contar a história toda, pois é interessante e merece ser vista, até pelos adultos. Só isso:

Uma jovem loba está noiva de um lobo de sua casta com o objetivo de unir a alcatéia. Ela tenta se envolver, mas o cara simplesmente não consegue uivar. Num dos passeios sob à luz da lua cheia, ela foge ao perceber que ele não tem jeito mesmo – só cantarola. Mas sua irmã mais nova, que tem uma queda pelo “frutinha” – como o lobo é xingado – aproveita a brecha e se aproxima dele. Com toda a paciência que o amor ou o autor lhe concedeu, a fofa consegue ensinar o amado a uivar virilmente. E, assim “curado” de seu “problema”, o lobo passa a ser aceito no grupo.

Uma história infantil criativa e divertida, fazendo propaganda da cura gay, com ares de inocência! Parece encomendada. Ou será que estou procurando “chifre em cabeça de cavalo”?