Enquanto algumas instituições indicam sérios riscos à saúde das pessoas, outras apontam que é necessário modificações na legislação que regulamenta defensivos agrícolas; Para entomologista, é preciso que sociedade avance no debate

A discussão acerca do Projeto de Lei (PL) dos agrotóxicos divide a opinião de instituições e especialistas. Por um lado, alguns avaliam que a proposta está sendo discutida com uma carga demasiada de “preconceito e ideologia”. Ao mesmo tempo, outros afirmam que o projeto é inconstitucional e ameaça a vida das pessoas. Para pesquisador ouvido pelo Semanário, é necessário que legislação passe por atualizações.
Na prática, o texto determina que o termo “agrotóxico” seja substituído por “produto fitossanitário” e que a responsabilidade de conceder registro de novos produtos ficaria concentrada no Ministério da Agricultura (Mapa). Hoje a regulamentação é feita pelo Ibama, Ministério da Saúde e Mapa.
O Ibama e a Anvisa se posicionaram radicalmente contrários às mudanças, enquanto a Frente Parlamentar Agropecuária (Fapa) e o Mapa se mostram favoráveis.
De acordo com o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, Marcos Botton, existem prós e contras na proposta de modificação, uma vez que a legislação atual complicou muito a vida de agricultores e técnicos na Serra Gaúcha. “Boa parte da produção por aqui é voltada para frutas e hortaliças. São cultivos em que há poucas ferramentas permitidas para a utilização”, avalia.
Botton utiliza como exemplo o caqui e o kiwi. Segundo ele, são frutas em que não há produtos fitossanitários (ou agrotóxicos) autorizados pela legislação. “Se o agricultor aplicar um produto autorizado para a maçã, por exemplo, ele já está na ilegalidade. A gente entende que a legislação atual não atende a esse produtor”, enfatiza. Ele observa que as empresas não registram um produto para o caqui, por exemplo, porque é um cultivo de pouca significância econômica, se comparado a outras culturas.
De acordo com o pesquisador, uma solução viável é o agrupamento de culturas. Nesse sentido, um produto que pode ser aplicado no pêssego também poderia ser utilizado na nectarina, etc. “Esse é um dos pontos importantes na proposta de mudança na legislação”, pontua.
Ainda na opinião de Botton, deixar que a legislação brasileira seja restritiva faz com que o país precise importar produtos que poderia produzir. “Esses alimentos chegam no mercado brasileiro com os mesmos produtos que são proibidos de aplicar aqui”, afirma. Para o pesquisador, o debate está radicalizado e ideologizado e, por isso, acaba-se perdendo a discussão técnica. “Nós defendemos o uso de ferramentas modernas”, conclui.

A discussão em outros países

Se os Estados Unidos utilizam uma legislação mais permissiva, a Europa tende a ser bastante restritiva, sobretudo no norte, onde há menos produção de alimentos. Na avaliação de Botton, são duas legislações com viés diferente. “O modelo americano não tem uma preocupação absurda com contaminação química porque trabalha com avaliação de riscos. Já a Europa tem proibido muitas ferramentas porque eles não precisam, eles não produzem alimentos, são importadores”, compara.

Avaliação de risco

O pesquisador avalia que muitas cadeias produtivas já podem passar por gestão de riscos no Brasil, mas que nas culturas de menor porte seria um desafio. “Nós descobrimos que determinado produto causa câncer, mas só em dose X e em condição Y. Em diversas cadeias produtivas nós temos como fazer isso”, exemplifica.
Nesse sentido, Botton entende que os órgãos de controle precisam se especializar, uma vez que a legislação atual barra o princípio da inovação. Além disso, ele observa que os agricultores estão se qualificando cada vez mais. “Teve uma melhora significativa se compararmos há 10 anos atrás. Têm empresas aqui na região com corpo técnico qualificado e os produtores estão mais qualificados. Por isso precisamos avançar no debate e a legislação precisa ser atualizada”, argumenta.

Fragilidade na legislação atual

Apesar de levantar algumas questões negativas na legislação em discussão, em nota, a Embrapa Meio Ambiente conclui que “a proposta apresenta avanços em relação à legislação atual”.
A entidade entende ainda que a substituição do termo “agrotóxico” por “produto fitossanitário” é positiva, visto que a expressão é “bastante questionável do ponto de vista toxiológico”. De acordo com a justificativa, “o uso do termo é contraditório com o próprio processo regulatório”, que apenas permite produtos “que apresentem segurança”.
Com relação à centralização da regularização pelo Mapa, a Embrapa coloca que pode significar uma morosidade menor no processo de registro e na redução da burocracia. Contudo, entende que “é importante que se busque um equilíbrio institucional, visando ao mesmo tempo maior eficiência processual”, uma vez que “a atuação dos órgãos de saúde e meio ambiente é essencial para garantir a segurança do uso destes produtos para a saúde humana e meio ambiente”.

 

Argumentos contrários

Anvisa e Ibama

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) coloca que “O PL não contribui com a melhoria das tecnologias” e que a legislação “não atende a população brasileira”. Por meio de nota ao Legislativo Federal, o Ibama afirma que “são propostas excessivas simplificações ao registro de agrotóxicos, sob a justificativa de que o sistema atual está ultrapassado”. O órgão diz que a medida é inconstitucional.

 

Ministério Público Federal ainda mais enfático

O projeto de lei foi denominado como “pacote do veneno” em nota oficial do Ministério Público Federal (MPF). Segundo o órgão, substâncias que hoje são proibidas, por representarem diversos tipos de risco à saúde, terão o registro autorizado, mesmo nas situações em que o uso permanece inseguro. A entidade entende que o mecanismo reduz o papel dos órgãos federais de agricultura e saúde.