Juizado em Bento recebe cerca de cinco casos por semana de maus tratos e abandono, mas advogados avaliam que lei é ineficiente

Um cão foi encontrado no bairro Aparecida com oito costelas fraturadas, precisou passar por transfusão de sangue e continua internado. Outro, no bairro Imigrante, com a garganta furada e o olho necrosado. Ele precisou passar por cirurgia para remover a necrose. Esses são apenas dois dos casos de maus tratos que ocorrem diariamente em Bento Gonçalves. A maioria fica sem punição, contudo, cada vez mais os ativistas buscam auxílio jurídico para levar os abusos até as últimas consequências.
Se os defensores dos animais estão fazendo sua parte, a crítica à legislação ainda encontra lugar entre advogados envolvidos com denúncias. Outra dificuldade é identificar os autores dos crimes, que muitas vezes ficam impunes por conta da falta de provas, ou a ausência de denúncias formais contra os agressores.
O Juizado Especial Criminal de Bento Gonçalves recebe cerca de cinco casos por semana envolvendo abandono, maus tratos e descuido. Algumas vezes também vêm à tona situações de envenenamento e tiros. Quando a autoria é identificada e as provas são contundentes, as ações geralmente resultam em penas que variam de multa de até R$ 500,00 e serviço comunitário.

A batalha das ONGs

Márcia Manuel, da ONG Sou um Grãozinho de Areia, conta que o grupo já registrou cerca de 10 Boletins de Ocorrência (BOs). Desses, quatro foram parar no Ministério Público (MP) e um resultou em penalidades. “A gente teve um caso em que a pessoa teve 80 horas pagas de serviço comunitário e a proibição total de ter novos animais na casa. Ele continua com novos processos, quem sabe consiga fazer com que o cara seja preso, porque foram muitos casos”, avalia.
Outras denúncias da Sou um Grãozinho de Areia envolvem zoofilia e crueldade contra animais, mas os casos ainda não tiveram desfecho. “A gente precisa melhorar muito ainda, a justiça é bem lenta nessas situações”, considera. Contudo, ela percebe que as pessoas pensam que maltratar animais não configura crime. Elas acham que não vai dar nada. Mas dá cesta básica, serviços comunitário e multa. E , se o cão for a óbito, inclusive, cadeia”, ressalta.
Márcia faz um apelo para que as pessoas que souberem de casos de crueldade contra animais, realizem denúncias formais nos órgãos competentes. “Não adianta só fotografar e colocar no Facebook, é preciso denunciar”, aponta.

Poucas denúncias e penas leves

Na avaliação de advogados, a legislação ainda é muito ineficiente com relação aos direitos dos animais domésticos. Entre os motivos, eles citam a dificuldade em produzir provas, falta de atuação do Poder Público, condenações pouco gravosas por parte do Ministério Público (MP) e o baixo número de denúncias.
De acordo com o advogado Cassiano Rodrigues, que atua em alguns casos pela Sou um Grãozinho de Areia, a legislação é precária, ultrapassada e ineficiente. “Nesse quesito, estamos na era da escravidão, antes da assinatura da Lei Áurea. As ONGs são as unicas que conseguem combater os maus tratos, são os únicas que têm alguma efetividade”, aponta. Ele também considera que o Poder Público tem outros problemas urgentes , o que deixa os animais fora da prioridade.
Para a advogada Hellen Waskivicz, conciliadora criminal no Juizado Especial Criminal de Bento, as propostas de transação do MP poderiam ser mais rígidas. “Quem decide é o promotor de justiça, de acordo com a gravidade do caso, que pode variar de 50h a 300h e multa de até R$ 600 reais”, explica.
Ela observa que as soluções geralmente acontecem ainda na audiência de conciliação, então os casos não chegam até o MP. “O problema é que poucas pessoas vão à Delegacia registrar BO, mas se for para frente, existem consequências”, ressalta.
Segundo Hellen, a dificuldade em apontar culpados também é um problema recorrente, na medida em que o autor vai negar o crime. “Para ter audiência, precisa do suposto criminoso e da vítima”, pontua.

 

Vitor: abandonado, com o olho necrosado e a garganta furada

Ele apareceu abandonado na rua João Casagrande, bairro Imigrante. Quando foi encontrado pela ONG, estava com o olho necrosado, a garganta furada e precisou de 30 dias de recuperação para cicatrização. “Foi mais de um mês de tratamento, mas na semana que vem ele já deve ter alta”, conta Márcia.
Embora sua recuperação esteja dentro do esperado, a integrante da ONG aponta que o olho necrosado precisou ser retirado. “Na última semana ele gritou muito de dor, por causa da pressão, da irrigação sanguínea. Ele tentava arrancar o olho com a própria patinha”, relata.

 

Anjo: preso na corrente, sem água nem comida

Márcia relatou à Polícia que Anjo foi encontrado no bairro Aparecida, acorrentado e sem comida. As integrantes da Sou um Grãozinho de Areia pegaram e levaram ele direto ao veterinário. O médico constatou desidratação e anemia, por isso, o animal precisou passar por uma transfusão de sangue. “Ele ficou cego, com anemia profunda e problemas no coração. Também pegou infecção de babesiose, devido à infestação de carrapatos”, conta Márcia. Recentemente, também foram identificadas costelas quebradas, que podem ter perfurado algum órgão do animal.
De acordo com Márcia, ele ainda está em estado de recuperação e seu estado é bastante crítico. “Ainda está com falta de ar, por causa das costelas que estavam comprimindo coração e pulmão”, avalia.