Uma doença grave de ente próximo, ainda mais quando este mantém a rotina de idas e vindas de internações no hospital, inevitavelmente afeta todos ao seu redor. A preocupação com o estado de saúde e os passos da recuperação afeta o psicológico, principalmente quando mais nada pode ser feito além do aguardar a morte. E isso, aumenta a angústia pelo fato do ser humano não estar preparado para lidar com a ausência e a morte.

O Programa Melhor em Casa, tem como objetivo disponibilizar um tratamento paliativo ao paciente para que se tenha um fim de vida tranquilo, sem dores e ao lado de todos que ama, além de ajudar com que familiares e pessoas próximas lidarem com a perda.

A família Quevedo viveu essa experiência com sua matriarca, dona Irema Machado Quevedo, 67 anos, vítima de câncer de intestino e que chegou a cabeça, levando ao seu falecimento.
A entrada da família no programa foi por acaso, como conta a filha da dona Irema, Valessa Machado Quevedo. “Eu fui procurar uma cama para a minha mãe e a Dra. Tamara ouviu a conversa e me disse que era de pacientes assim que estavam procurando para os cuidados paliativos. Perguntou se poderia vir até a nossa casa e eu prontamente disse que sim, pois era mais que uma ajuda importante diante da situação da mãe”, revela.

O atendimento da equipe médica foi rápida e em um momento delicado psicologicamente, de acordo com Valessa. “Essa ajuda representou para todos nós, algo muito importante, pois estávamos querendo ficar com a mãe em casa, mas apesar da gente saber de todos os cuidados, o nosso psicológico, muitas vezes se mostrava abalado”. Conta
Foram ao todo 18 dias de acompanhamento pela equipe formada pelos médicos Rafael Amoroso dos Santos e Tamara Lazzari Zaro Chiele, e além de quatro pessoas da área.

A receptividade da paciente ao tratamento

Dona Irema, apesar do estado de saúde precário e de dificuldades, recebia a equipe médica do Dr. Rafael Amoroso da melhor maneira possível, conforme Valessa. “Ela já sabia que não estava bem, ainda mais quando a presença da equipe passou a ser diária. Mesmo assim, quando os médicos chegavam, ela gostava muito. Conversava, sempre dizia que estava bem, agradecia a cada visita e a energia que eles traziam, sempre sorrindo e brincando a deixava feliz”, lembra.

O tratamento paliativo visava evitar o sofrimento com as dores. Para isso, a medicação era prescrita para ser feita por Valessa e Melissa, ambas técnicas em enfermagem e demais recomendações para a terceira filha, Alessandra.

As últimas horas e a morte em casa

Evitar as idas e vindas do hospital e da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) era o objetivo da família e também da paciente, os quais foram atendidos com a presença da equipe do programa. E dona Irema aproveitou o fato de estar em casa com os familiares, como conta Valessa. “Foi melhor e da forma que ela queria. No hospital, ela estava cheia de restrições de visita, de comida e de sair da cama. Em casa, estávamos todos juntos, quando ela chamava nos entregávamos o que pedia. Dois dias antes dela falecer, ela queria ir para o sol, mas usava oxigênio. Ainda ressaltei, mãe teu oxigênio. Mas eu vou, ela disse. Ela passeou, escutava música, assistia tv e estava feliz” conta.
Dois dias depois, dona Irema acabou falecendo. Os detalhes são revelados por Valessa, sob lágrimas. “Ela tinha medo de ir embora sozinha. Eu consegui estar junto, mesmo sendo de madrugada. Parece que ela me avisou, hoje é o dia. Coloquei os hinos que ela gostava e fui conversando. Ela foi sentindo falta de ar e quando eu vi que ela estava com mais dificuldade, eu disse: Mãe, se tem que ir, vai, estou aqui contigo. Ela, respirou mais um pouco e parou. Segurar a mão dela, naquele momento, foi diferente”, conta.

Equipe segue visitando a família

O pós-óbito faz parte do Melhor em Casa. As visitas as famílias seguem acontecendo até que a mesma não se precise mais receber os profissionais. No caso da Família Quevedo, elas estão em andamento, como ressalta Valessa. “A gente sente muita falta da mãe e esse acompanhamento de conversa e conforto psicológico é importante, não estamos desamparados. O pai (Djalma Garcia Quevedo) ainda está perdido. Foram 47 anos com a mãe, faziam tudo juntos. Ainda não está fácil, ele chora, guarda para si”, conta.
Valessa lembra uma frase de sua mãe sobre a família: “Não estou com medo de morrer, mas sim, quem é que iria cuidar de nós”, diz dona Irema.

A visão dos médicos no processo

Para o Dr. Rafael Amoroso, realizar esse trabalho é desafiador no campo da medicina. “São experiências profissionais e pessoais, enriquecedoras. É uma oportunidade valiosa, é desafiador, pois visamos o bem-morrer, sem sofrimento. A nossa ideia é de fazer o máximo possível oferecer os cuidados possíveis para todas as pessoas da casa”, diz.

Ainda segundo ele, o acesso aberto as famílias muda as relações que se tornam intensas. “Entrar na casa das pessoas neste momento em um período emocionalmente muito delicado e intenso não são fáceis. É uma experiência intensa, que o vínculo com a família acaba se estabelecendo de forma muito forte. Poucos dias atrás nem nos conhecíamos e hoje, estamos em contato diariamente”, ressalta.

Para a médica Tamara Lazzari Zaro Chiele, o cuidado do paciente e da família é o transformador do processo. “A ideia é que a gente cuide da família, não só trate a doença. A gente é ser humano e envolve sentimento. A gente pode chorar, e isso faz com que a gente traga segurança para as pessoas, elas ficam confortáveis, se sentem cuidadas a cada visita. São vínculos fortes que fazem que a gente siga visitando e não encerre isso de forma abrupta, dando um simples adeus como se faz em hospitais ou UPA. É desgastante, mas é único realizar esse trabalho, o qual temos o desejo de informar mais as pessoas e ampliar essa rede de atendimento”, explica.

Indicação para outras pessoas

Valessa, por toda a experiência e sucesso obtida com a dona Irema, fala em apoio e indica para pessoas que estejam com familiares na mesma situação. “Indico, por ser um trabalho excepcional. Como o Dr Rafael, contou anteriormente, por estar ainda em construção, o projeto necessita de mais apoio para abranger mais pessoas. São muitos pacientes e poucos profissionais aptos para estarem realizando esse trabalho. Tudo que eles fizeram dentro das suas possibilidades, atenderam como poucos, sequer como um plano particular. Então, se tivessem mais apoio, teria ainda mais sucesso”, completa.